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O MENINO 

Autor: Aristides j Lopez

Pobre menino, atirado ao destino. 

Deus déspota apócrifo num faro, ferindo o pobre menino com fome. 

Se fez homem, a miséria lhe consumindo e um destino distante.

Roupa rota, rasgo nesta rota torta, caminhos divagantes. 

Lá vai o moleque: muitas bocas, farta fome, faltando o rango. Raso no acaso, dilacerando diabruras, ensinamentos, tormentos. 

Silêncio em seu pensar: dicotomia, letargia, lento, latente, a fome a clamar do seu estômago. 

Ensinamentos bíblicos, céus, respeito, trejeito. Na trama, na cama, trapos, fiapos.

 O estômago não desiste, persiste, tangendo o sono para longe. Goles de água não apagam, mal e mal aplacam o vazio dolorido da fome medonha.

Lábios gretados, olhos secos à caça de lágrimas. Furor: cadê o socorro dos deuses? Ausentes, dementes, distantes das suas orações...

No amanhecer, o garoto, ofegante, se aproxima da feira. 

No cheiro das frutas, disfarça, disforme, e se aproxima do gordo japonês que, rindo como um cavalo relinchando, acha lindo a graça sem graça que se põe ruminando:

Moça bonita não paga, mas também não leva. 

E gargalhava sozinho. Menino faminto, nas graças dos quintos, fazendo parceria com o nipônico, também ria.

 

— Hahaha hahaha hahaha, que legal... Que lindo...

 

O senhor feirante, com riscos na fronte, fiava em sorrisos, contente. 

Alguém, em sua frente, reconhecia seu lado hilário. Otário, pensava o menino, sorrindo esparramado, puxando disfarçado, surrupiando maçãs. 

E de novo, com jeito de probo, o oriental repetia. Ao ver mulher bonita, num gesto, se ajeitava. Segurando a pança, tornava a repetir o gracejo: 

— Moça bonita não paga, mas também não leva. 

O garoto, apontando o dedo e segurando o estômago, dizia: 

— Nossa, que legal...

Desmanchando-se em risadas, o feirante gordo não desconfiava que o moleque apenas estava enganando o pobre diabo. No seu chiste, furtava maçãs.

Menino solerte, no flerte, na flauta de gente fingida, guardava maçãs na sua caixa de engraxar.

 Sorrindo aos tantos, saía em passos lentos ao esconderijo para saciar sua fome. 

Comia com sofreguidão, dentada aos bocados, enchendo o bucho e lamecando a cara.

Pensava nos irmãos, mas, num sim e num não, desviava a ideia. Podia repartir, mas, na porta do aparte, iria suscitar cintadas de um pai zangado. 

Na flâmula, na feiura do roubo, jamais seria consentido pelo senhor da casa. Falta do alimento, dores do sofrimento, sem alento.

O tempo perpassa, que a vida passa fazendo pirraça. A pobreza, sacolejo, sacode, explode, e o moleque pobre arranja revólver com a pólvora estampada. Pé na estrada, assalto à mão armada.

 Dez anos de idade, meu compadre... O bagulho explode, a vida implode, as lágrimas brotam e a briga em choque...

Escola esfinge, esfregada na cara do menino. Cresceu acrescentando as letras largadas de livros roubados...

 Garoto ladrão era filho do cão, mas gostava de ler... Metálico no momento, na curva sem reta, gostou de escrever... 

Escravo dos livros, no seu crivo se acha um poeta... Criado nas gretas e nas tretas, traçou o seu caminho nas linhas tortas.

 Mas o que importa é que, ao abrir da porta, de maneira porca, a vida traça a rota...

E cá estou eu a escrever... e sorrir…